domingo, 26 de dezembro de 2010

Fim de ano

Drummond disse:

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. [...] Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente." (Cortar o tempo -Carlos Drummond de Andrade)

Genial! A cada dia, nova oportunidade, a cada mês, um recomeço, a cada ano, novas esperanças...

Aproxima-se o 31 de dezembro e a vontade que o ano termine para que tudo se renove é evidente. Parece mágica: meia noite, contagem regressiva, virada... tudo muda, tudo vai ser melhor... o que dava errado, agora vai dar certo, o que ainda não foi alcançado, estará ao alcance das mãos, logo no primeiro dia do ano. Desejos, expectativas, certezas, lista de boas intenções... pular sete ondas, comer sete uvas, sementes de romã, lentilhas... roupa branca, amarela, muito dourado... ano do coelho, signos... páginas em branco, novos caminhos, renascimento, renovação...

Novos olhares? Novas paisagens e cenários? Novas imagens, outras memórias, histórias pra contar, mudar, viver...

Lembrei-me de uma obra de Monet. Aliás, uma série de quadros que ele pintou diante da Catedral de Rouen. A cada momento, uma nova percepção de uma mesma imagem. Forma e cor se modificam, por causa da luz.


Disponível em http://blocs.xtec.cat/tecladecolor/category/activitat-del-curs/
Que a luz incida sobre a vida de todos nós em 2011, nos dando a oportunidade de vivenciarmos novos olhares diante de nossos cenários!
 

domingo, 7 de novembro de 2010

Certezas...

De nossos medos
nascem nossas coragens
e em nossas dúvidas
vivem nossas certezas.
Os sonhos anunciam
outra realidade possível
e os delírios outra razão.
Nos extravios
achados nos esperam
porque é preciso perder-se
para voltar a encontrar-se.
(Eduardo Galeano)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Sabença aprendida"

Cerimônias sempre me emocionam. Muito até. Casamentos, nascimentos, formaturas são as minhas preferidas. Minha sensibilidade aflora!
Essa semana assisti a uma cerimônia de conclusão de curso (não considerei como uma formatura, embora tivesse toda formalidade e pompa. Tratava-se de uma cerimônia de conclusão do Ensino Médio). Como já era de se esperar, muitas alegrias regadas por rios de lágrimas durante a entrada dos "formandos" (principalmente com a entrada do meu sobrinho!!), com os discursos, as músicas...
Esses momentos, além de despertar em mim um turbilhão de emoções e borrar toda minha maquiagem, me colocam no meio do olho de um furacão. Imagens de lembranças vividas, sentidas, desejadas.
As memórias vêm como filmes, curtas-metragens, do tipo uma câmera na mão, idéias na cabeça.
Crio roteiros: de ficção, quando as lembranças se aproximam do desejo ou documentários quando o que passou marcou tanto que ainda sinto o cheiro de tudo no ar. Não sei explicar como e nem por que motivo, ao mesmo tempo em que minha mente está  pensando no cenário e personagens desses roteiros, ouço e vejo o que se passa no entorno.
Num determinado momento (de atenção desfocada) durante a cerimônia de "Colação de Grau", ouvi o Paraninfo da turma dizer algo parecido a "...Vocês têm de tudo para se transformarem em líderes: capacidade, conhecimento, possibilidade de crescer, buscar, qualquer que seja a profissão que escolherem...". Muitos saberes, informações acumuladas... quanta coisa ainda há por vir...
Viajei. Novos roteiros, novos personagens, novas locações. No meu roteiro, acrescentei Guimarães Rosa, mudei o cenário, tempo, espaço. Não mais estávamos no salão nobre de uma casa de festas. Não mais o espaçotempo de agora, mas o de doismilequalquercoisa (não importas muito datas marcadas. Apenas as memórias que ficam delas). No meio do quase nada, só poeira e pouca vida. Um dos "formandos"(quem sabe até meu sobrinho!), no alto de sua sabedoria e estudo, ouve de um personagem local:
"-Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima - me disseram. Mas, de repente chegou neste sertão, viu tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto. Sabença aprendida não adiantou para nada... Serviu algum?" (Guimaraes Rosa)
O que temos feito da nossa "sabença aprendida"?


Os despejados - Cândido Portinari, 1934
Disponível em http://historiaecriticadearte.wordpress.com/banco-de-imagens/



Guernica (detalhe) - Pablo Picasso, 1937
Disponível em http://artobserved.com/


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia das crianças... de todas....

Encontrado na parede de 1 dormitório de crianças do campo de extermínio nazista de Auschwitz.


Cena do filme "Filhos do Paraiso"

"Amanhã fico triste,
Amanhã.
Hoje não.
Hoje fico alegre.
E todos os dias,
por mais amargos que sejam,
Eu digo:
Amanhã fico triste,
Hoje não.
Para Hoje e todos os outros dias!!"

Feliz dia da criança!!!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Time like these

(Jack Johnson)
A desintegração da persistência da memória
Salvador Dali, 1954

In times like these
In times like those
What will be will be
And so it goes
And it always goes on and on...
On and on it goes
And there has always been laughing, crying, birth, and dying
Boys and girls with hearts that take and give and break
And heal and grow and recreate and raise and nurture
But then hurt from time to times like these
And times like those
And what will be will be
And so it goes
And there will always be stop and go and fast and slow
Action, Reaction, sticks and stones and broken bones
Those for peace and those for war
And god bless these ones, not those ones
But these ones made times like these
And times like those
What will be will be
And so it goes
And it always goes on and on...
On and on it goes
But somehow I know it won't be the same
Somehow I know it will never be the same

(Disponível em http://www.cifraclub.com.br/jack-johnson/times-like-these/)

Anacrônico


Espaçostempos...
Mais... do mesmo?
Produzi esse material para atender a uma solicitação de um professor em 2008, após a leitura do texto de Boaventura de Souza Santos "Uma ciência prudente para uma vida decente". Foi minha primeira experiência com a ferramenta Movie Maker. Gostei mais do processo de produção que do resultado do trabalho. Quanta coisa é possível com uma ferramenta tão simples...

domingo, 5 de setembro de 2010

"Não é da minha época..."

Tenho ficado incomodada quando ouço "...não conheço, nunca vi/ouvi... não é da minha época!". E esse incômodo não se refere à minha idade ou de eu me sentir "antiquada". Me incomodo pois percebo a falta de interesse em coisas outras que não sejam as contemporâneas, visualidades e sonoridades  imediatas. Mas somos constituidos de espaçostempos múltiplos, visualidades, experiências e potencialidades infinitas. Somos seres históricos enredados  em relações imprevisíveis.
Mesmo com toda essa imprevisibilidade, vivemos sob a égide de uma sociedade cartesiana e continuamos a crer que o conhecimento e o progresso são uma linha reta e sempre ascendente. A idéia recorrente de presente, passado e futuro está calcada numa noção de tempo newtoniana, totalmente arbitrária onde a lógica linear de espaço/tempo se mostra absoluta.
Se lançarmos mão da história como ferramenta de reflexão, observamos que a partir do século XIX inicia-se a crise do paradigma da ciência moderna resultante da pluralidade de condições sociais e da intensidade de produções teóricas que articulam discursos em favor de novos paradigmas. No século XX a introdução de novas noções (desordem, imprevisibilidade, paradoxo...) e as descobertas da teoria quântica vão colocar em questão o Positivismo e a própria noção de ciência, conforme aplicada até então.
Daí surge um novo viés da ciência, no qual o modelo sistêmico e o pensamento complexo vão sendo incorporados à maneira de observar o mundo. Passa-se a considerar que o conhecimento é um fato histórico que, independente da escola, acontece; e que o indivíduo, ao longo do tempo, experiencia fatos, cores, sabores, odores, sempre diferentes: seus sensores, sentidos e sentimentos mudam e são mudados na/pela realidade, em diferentes contextos e relações materiais, onde tudo se liga em redes e onde se torna impossível garantir obediência a um sentido único e pré-estabelecido.
De certo modo, o século XXI está procurando “remembrar” o que foi desmembrado, religar o que foi desconectado pela Modernidade. Mas vivemos um tempo que contém todos os outros e convivemos com pensamentos diversos, montados sobre pressupostos modernos e pós-modernos. BENJAMIN (1994), afirma: “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’”.
Por conta desse modo fragmentado de pensar e agir, desse espaço/tempo fluido, complexo, repleto de “agoras”, precisamos fazer contorcionismos para ajuntar os cacos de uma história estilhaçada, na qual o conhecimento tem como fundamento um rigor científico que desqualifica, degrada, caricaturiza os fenômenos e experiências.
Essa história que se conta (e que se ouve) não pode ficar restrita àquilo que foi guardado pelo passado para ser depois contado de forma única. Há que se considerar a necessidade de desenvolver um trabalho de resgate de memórias que indiquem vestígios de embates no âmbito pessoal e coletivo demonstrando as relações estabelecidas entre épocas distintas. Além disso, devemos atentar para o fato de que a história é escrita e reescrita de acordo com os paradigmas e ideologias de cada época, adotando, muitas vezes, o ponto de vista de quem a escreve. Corremos o risco, portanto, de analisarmos os fatos baseados num discurso vazio, construído a partir de fatos inventados para um determinado fim.
Na esteira dessas considerações, creio que é na leitura de fatos às vezes apontados como insignificantes – e não em experiências acumuladas e coaguladas – que reside a possibilidade de citar o passado ou de fazer conexões que permitam ao presente ser possível. A possibilidade de vivenciar, de experienciar as diferenças, contribui para [...] a ampliação das fronteiras de nossa imaginação. Disso decorreria uma atitude menos provinciana em relação ao passado e ao presente. (GINZBURG, 2000)

Marilyn Monroe
Andy Warhol, 1960
Da sua época?

domingo, 29 de agosto de 2010

O homem modulado...

The City of  Drawers
Salvador Dali - 1936
[...] o homem modulado é, antes e acima de tudo, um homem sem essência. Ao contrário da mobília modulada, porém, o homem modulado faz por si mesmo o trabalho de montagem e remontagem. É modulado mas também automodulante. [...] vive como um conjunto de tarefas a serem realizadas (Zygmunt Bauman - Em busca de uma política)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Arte: território de singularidades

Para melhor entender o mundo das imagens pensei ser interessante investigar o universo da arte. Aos poucos, percebi que a arte não trata somente das questões conceituais relativas à imagem: cores, linhas, formas, volumes, sons, movimentos e estilos. Ela também atenta para os afetos, os diferentes modos de percepção, faz sentir o que não se vê, as forças e as relações de força.
A arte questiona a linguagem trivial, as regras e convenções, sem renunciar às relações que se estabelecem entre a verdade (que só existe enquanto vontade de verdade) e o pensamento (que funciona como resistência aos conceitos impostos). Leva o indivíduo a refletir sobre si e sobre o mundo. É até bastante provável que seja essa a sua função: fazer pensar, propiciar uma nova leitura sobre visualidades viciadas e limitadas. A arte abre possibilidades a quem quer que esteja disposto a não apenas fixar o olhar no belo, mas no além disso.
A arte é também uma expressão da subjetividade plural, possibilitando múltiplas leituras que transitam entre os territórios da sensibilidade, da razão, numa mobilidade dinâmica, livre de um significado fixo, como num caleidoscópio.
Rompendo a concepção espaçotemporal do cientificismo positivista, a arte aponta para uma abordagem multidisciplinar, mostrando-se como um agenciamento que se conecta a outros agenciamentos.
É um modo de experimentar a realidade, o mundo e a si mesmo, numa incessante metamorfose que envolve o sujeito histórico, social, cultural, exercendo grande fascínio sobre o homem, ser de linguagem, conduzindo-o, muitas vezes, a um estado de encantamento.
Enfim, a arte é necessária “[...] como ‘proteção e remédio’, [...] para suportar a quebra do otimismo teórico quanto para levar o conhecimento além de si mesmo, para a sua própria transformação” (LARROSA, 2004, p. 137).
Répteis - M. C. Escher - Litografia, 1943

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

[...] caminhar não é tanto ir de um lugar a outros, mas levar a passear o olhar. E olhar não é senão interpretar o sentido do mundo, ler o mundo. [...] O leitor não olha o autor, nem sequer o livro, mas a paisagem, o mundo aberto e sempre por ser lido de uma maneira renovada. (LARROSA, 2004, p. 50)
Impressão, nascer do sol
Claude Monet - 1872

domingo, 22 de agosto de 2010

Imagens e memória

Já tentou lembrar de algum fato ocorrido há muito tempo? As imagens vêm à sua mente e aquela história (a sua história) é real? E se aquele fato tiver sido fotografado? Olho a foto e é como se estivesse revivendo o momento. Muitas vezes, tenho a sensação de sentir cheiros que se relacionam com o instante do "clic".
À imagem é imputada (também) a função da lembrança, da memória. Quando olhamos uma fotografia, assistimos a um filme, uma parte de nossa vida se faz presente, ainda que o conteúdo dessas imagens esteja longe de apresentar o que nos parece real, ainda que a “memória artificial” tecidas pelas imagens e sons organizados segundo uma sintaxe arranjada exista só no rol das lembranças.
A memória é constituída por imagens, descrições, acontecimentos, experiências. Caminha junto com o olhar e com o pensamento. As tessituras que o universo imagético nos oferece, então, fazem mais que misturar imagens às lembranças, se abrindo a novas outras muitas redes que trasncendem a mera informação.
Imagens, idéias, memórias, mapeamentos, experimentações: ampliação das potencialidades quando se trabalha buscando a superação dos limites impostos pela supervalorização da informação em detrimento da experiência, das coisas que nos acontecem, que nos atravessam.

"Como se fora a brincadeira de roda, memórias..." (Redescobrir, Gonzaguinha)
 A dança - Henri Matisse - 1910

sábado, 21 de agosto de 2010

Imagens...

Se tivesse que escolher entre palavras e imagens para me comunicar, ficaria com as imagens. Meu pensamento viaja longe tentando mapear as possibilidades, as histórias (visíveis e invisíveis) que brotam delas, dos entrelaçamentos com outras imagens, sons, cheiros e gostos, das relações infinitamente complexas que se entrecruzam nos infinitos planos. Penso, junto com Manguel (2001, p. 21), que “[...] qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria da qual somos feitos”.
O universo imagético faz a mediação do ser com o seu entorno, contribuindo para a produção de outras formas de pensamento.
As imagens possibilitam a criação dos sujeitos, a invenção do desejo e se configuram como forma e força de expressão. Essa criação, que parte da multiplicidade que há em nós, dá vazão ao delírio, à fantasia e a toda potência presente na linguagem artística, possibilitando a invenção, o surgimento do novo que se dá no entrecruzamento intensivo de fluxos, movimentos e relações.
As imagens e sons do mundo são como uma enorme composição macrocósmica. Para percebê-la, é necessário desvincular-se de uma sensibilidade fragmentada, formada, muitas vezes, de forma traumática nas relações do cotidiano. Ensinaram-nos a “separar” nossos sentidos para desenvolver acuidades específicas e uma apreciação disciplinada. Na busca de nossa virtuosidade, fomos obrigados a deixar que muita da nossa percepção se contraísse e uma total e prolongada separação dos sentidos resulta em fragmentação da experiência. O ensino da música, da dança, ou da pintura, por exemplo, costuma utilizar um conjunto de receptores sensitivos com a exclusão dos outros.
Mas a vida é multisensorial, e as artes se abrem em multimeios. O que temos diante de nós aponta para a necessidade de destacarmos formas de arte que envolvam os multisentidos.
Mas isso, é uma (outra) longa história...

"...a capacidade de ver o invisível"
Carta branca - Rene Magritte - 1965