domingo, 5 de setembro de 2010

"Não é da minha época..."

Tenho ficado incomodada quando ouço "...não conheço, nunca vi/ouvi... não é da minha época!". E esse incômodo não se refere à minha idade ou de eu me sentir "antiquada". Me incomodo pois percebo a falta de interesse em coisas outras que não sejam as contemporâneas, visualidades e sonoridades  imediatas. Mas somos constituidos de espaçostempos múltiplos, visualidades, experiências e potencialidades infinitas. Somos seres históricos enredados  em relações imprevisíveis.
Mesmo com toda essa imprevisibilidade, vivemos sob a égide de uma sociedade cartesiana e continuamos a crer que o conhecimento e o progresso são uma linha reta e sempre ascendente. A idéia recorrente de presente, passado e futuro está calcada numa noção de tempo newtoniana, totalmente arbitrária onde a lógica linear de espaço/tempo se mostra absoluta.
Se lançarmos mão da história como ferramenta de reflexão, observamos que a partir do século XIX inicia-se a crise do paradigma da ciência moderna resultante da pluralidade de condições sociais e da intensidade de produções teóricas que articulam discursos em favor de novos paradigmas. No século XX a introdução de novas noções (desordem, imprevisibilidade, paradoxo...) e as descobertas da teoria quântica vão colocar em questão o Positivismo e a própria noção de ciência, conforme aplicada até então.
Daí surge um novo viés da ciência, no qual o modelo sistêmico e o pensamento complexo vão sendo incorporados à maneira de observar o mundo. Passa-se a considerar que o conhecimento é um fato histórico que, independente da escola, acontece; e que o indivíduo, ao longo do tempo, experiencia fatos, cores, sabores, odores, sempre diferentes: seus sensores, sentidos e sentimentos mudam e são mudados na/pela realidade, em diferentes contextos e relações materiais, onde tudo se liga em redes e onde se torna impossível garantir obediência a um sentido único e pré-estabelecido.
De certo modo, o século XXI está procurando “remembrar” o que foi desmembrado, religar o que foi desconectado pela Modernidade. Mas vivemos um tempo que contém todos os outros e convivemos com pensamentos diversos, montados sobre pressupostos modernos e pós-modernos. BENJAMIN (1994), afirma: “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’”.
Por conta desse modo fragmentado de pensar e agir, desse espaço/tempo fluido, complexo, repleto de “agoras”, precisamos fazer contorcionismos para ajuntar os cacos de uma história estilhaçada, na qual o conhecimento tem como fundamento um rigor científico que desqualifica, degrada, caricaturiza os fenômenos e experiências.
Essa história que se conta (e que se ouve) não pode ficar restrita àquilo que foi guardado pelo passado para ser depois contado de forma única. Há que se considerar a necessidade de desenvolver um trabalho de resgate de memórias que indiquem vestígios de embates no âmbito pessoal e coletivo demonstrando as relações estabelecidas entre épocas distintas. Além disso, devemos atentar para o fato de que a história é escrita e reescrita de acordo com os paradigmas e ideologias de cada época, adotando, muitas vezes, o ponto de vista de quem a escreve. Corremos o risco, portanto, de analisarmos os fatos baseados num discurso vazio, construído a partir de fatos inventados para um determinado fim.
Na esteira dessas considerações, creio que é na leitura de fatos às vezes apontados como insignificantes – e não em experiências acumuladas e coaguladas – que reside a possibilidade de citar o passado ou de fazer conexões que permitam ao presente ser possível. A possibilidade de vivenciar, de experienciar as diferenças, contribui para [...] a ampliação das fronteiras de nossa imaginação. Disso decorreria uma atitude menos provinciana em relação ao passado e ao presente. (GINZBURG, 2000)

Marilyn Monroe
Andy Warhol, 1960
Da sua época?

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